quarta-feira, 20 de março de 2013

MESTRADO - PLANO DE CURSO 2013 - UFMT

Dedico principalmente esta postagem às minhas e meus compatriotas do Povo Bororo e parentes indígenas de forma geral e a quem precisar de informações relacionadas ao curso de mestrado.

Coloco a disposição o plano de curso e as referência bibliográficas de estudo e pesquisa e as correntes filosóficas no curso de mestrado do qual Félix Adugoenau é mestrando, Turma 2013, apresentado e sugestionado pelo professor Dr. Cleomar Ferreira Gomes na aula de 19 de março de 2013, 3ª feira. 
Correntes filosóficas trabalhadas: 
CLÁSSICAS, LIBERAIS, POSITIVISTAS e FUNCIONALISTAS;
- COTIDIANO, HISTORICISMO, E HISTÓRICA DE VIDA;
- EDUCAÇÃO POPULAR;
- PÓS-ESTRUTURALISTA OU DESCONSTRUTIVISTA;
- MARXISTA;
- ESCOLANOVISMO, CONSTRUTIVISMO E SÓCIOINTERACIONISTAS;
- CULTURAIS/CULTURALISTAS E CRÍTICAS DO CONHECIMENTO;
- BIOLOGISTA, EVOLUCIONISTA, ANTROPOLOGISTA, ETOLOGISTA;
- FENOMENOLÓGICA DO CONHECIMENTO;
- IMPLICAÇÕES PÓS-MODERNISTAS COM A EDUCAÇÃO;





UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO ― UFMT
Instituto DE EDUCAção
Programa de Pós-graduação em Educação


PLANO DE CURSO ― 2013



Disciplina: Pesquisa em Ciência da Educação
Professores:   Dr. Cleomar Ferreira Gomes
                         

Carga horária: 60h     Turma  ....
Horário: terça-feira     14:00h às 18:00h                         Total de alunos: ....


EMENTA: O significado da Ciência em Educação e seus pressupostos epistemológicos, axiológicos, etológicos, ritológicos, mitológicos e praxiológicos. Métodos de investigação e suas lentes teóricas. Sistematização, generalização, prospecção e resultados. As diferentes perspectivas e matizes clássicos: funcionalismo, estruturalismo, historicismo, modernismo, fenomenologia e pós-modernismo. Limites e possibilidades destas configurações para a pesquisa em ciências da Educação.

OBJETIVOS 1) Ampliar a percepção compreensiva da importância da produção do conhecimento e seus interesses 2) Compreender e/ou optar, teórico-metodologicamente, por um objeto (sujeito ou temática) de pesquisa adequando-o ao melhor desenvolvimento possível da dissertação a ser empreendida no decorrer do Curso de Mestrado.

PROCEDIMENTOS: Leitura básica do principal autor e sua proposta metodológica, apoio de textos auxiliares de comentário, crítica e compreensão, debate coletivo em busca das possibilidades e limites de cada matiz.

AVALIAÇÃO: Ensaio e justificativa da escolha de caminho metodológico para a pesquisa que pretende empreender. Presença e participação nas aulas, comunicação de um trabalho do curso e elaboração de um texto monográfico publicável.

Referências:

CLÁSSICAS, LIBERAIS, POSITIVISTAS E FUNCIONALISTAS

COMTE, Auguste. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. Tradução José Arthur Gianotti e Miguel Lemos. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. [Os Pensadores]
DURKHEIM, Émile. A Educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1973.
DURKHEIM, Émile. A Educação como processo socializador: função homogeneizadora e função diferenciadora. In Educação e Sociedade. Leituras de sociologia da educação. PEREIRA, Luiz & FORACCHI, Marialice (orgs.) 6 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 34-48.
DURKHEIM, Émile Sociologia. Tradução: J. M Toledo Camargo. 2 ed. São Paulo: Forense Universitária, 1970.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1972.
WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. Lisboa: Edições 70, 1989.
RUSSELL, Bertrand. Da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.
RUSSELL, Bertrand. Elogio ao ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

COTIDIANO, HISTORICISMO E HISTÓRIA DE VIDA

ANDERY, Maria Amélia Pie Abib. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro, Garamond, São Paulo: Educ, 2004.
ARRIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981.
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: 1 A arte de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
CERTEAU, Michel de. Cultura no Plural. Campinas: Papirus, 2003.
ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo. Companhia das letras, 1989.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo. Companhia das letras, 1987.
GOLDHILL, Simon. Amor, sexo & tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia da Letras, 2007.
SENNETT, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro. BestBolso, 2008.
SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia da Letras, 1989.
ZELDIN, Theodore. Uma história íntima da humanidade. Rio de Janeiro. BestBolso, 2008.

EDUCAÇÃO POPULAR

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1985
FREIRE, Paulo. Educação como prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
KUENZER, Acácia. Z. (Org.). Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo, Cortez, 2009.
KUENZER, Acácia. Z. . Ensino de 2º Grau ― O Trabalho como princípio educativo. São Paulo, Cortez, 1997
KUENZER, Acácia. Z. Pedagogia da Fábrica. São Paulo, Cortez, 1985.

PÓS-ESTRUTURALISTA OU DESCONSTRUTIVISTA,

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes, 1996.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Conventos e Prisões. São Paulo: Perspectiva, 2001.
GOFFMAN, Erving. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização social dos ajuntamentos. Petrópolis: Vozes, 2010.
RIVIÈRE, Claude. Os ritos profanos. Petrópolis: Vozes, 1996.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989.
GEERTZ, Clifford. O saber local...

MARXISTA

BERMANN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CASTORIADIS, Cornélio. Entrevista com Cornélio Castoriadis. In BARBOSA, J. G. da. Multireferencialidade nas Ciências e na Educação. São Carlos. EdEFSCAR, 1998.
DIETRICH, Théo. Para uma Pedagogia activa e socialista: A educação pelo trabalho de Pavel P. Blonsky. São Paulo: Martins Fontes, 1974.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileiras, 1985.
MANACORDA, M. A. Marx y la pedagogia moderna. Barcelona, Espanha: Oikos-Tau ediciones, 1969.
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Alínea, 2007.
NOSELLA, Paolo. A escola de Gramsci. São Paulo: Cortez, 2004

ESCOLANOVISMO, CONSTRUTIVISMO e SOCIOINTERACIONISTAS

BRUNER, Jerone Seymour. O processo da Educação. São Paulo: Editora Nacional, 1974. (Atualidades Pedagógicas).
GUSDORF. Georges. Professores para quê? Para uma pedagogia da pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
GUSDORF. Georges. A agonia da nossa civilização. São Paulo: Convivio, 1978.
KILPATRICK, William Heard. Educação para uma civilização em mudança. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.
POSTMAN, Neil. O fim da Educação: redefinindo o valor da escola. Rio de Janeiro: Graphia, 2002.
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969. TEIXEIRA; Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.
TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia: introdução à administração educacional. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
VIGOTSKI. LEV S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

CULTURAIS/CULTURALISTAS E CRÍTICAS DO CONHECIMENTO

ARENDT, Hannah. Entre o passado e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
ADORNO, Theodor. A educação contra a barbárie. In ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução Leo Wolfgang Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p.119-138.
ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz. In ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 119-138.
ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. In ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 169-185.
ADORNO, Theodor. Educação, para quê? In ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 139-154.
ADORNO, Theodor. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. Tradução e notas Marcus Vinícius Mazzari. São Paulo: Duas cidades. Ed. 34, 2002.
BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie. Escritos escolhidos. São Paulo: Cultrix ― Universidade de São Paulo, 1986.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo, Summus, 1984.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas volume I. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BENJAMIN, Walter. Rua de Mao única. Obras escolhidas volume II. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuições para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Lições de aula. São Paulo: Ática, 2001.
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clinica do campo científico. Tradução Denice Bárbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção Sérgio Miceli. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
CHARLOT, Bernard. Educação e Culturas. Fórum Social Mundial de Porto Alegre 2001. In PATIO on line, ano VII, n 25, Fev/Abr 2003. Porto Alegre: Artmed. p. 01-11 (Site consultado 10/06/2003).
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas representações. Lisboa: Brasil, 1987.

BIOLOGISTA, EVOLUCIONISTA, ANTROPOLOGISTA, ETOLOGISTA

BRETON, David Le. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis: Vozes, 2009.
LORENZ, Konrad. A demolição do homem ― crítica à falsa religião do progresso. São Paulo, Brasiliense, 1986.
LORENZ, Konrad. Os Fundamentos da Etologia. São Paulo: Ed. UEP. 1995.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2008.
McLAREN, Peter. Rituais na Escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos na Educação. Petrópolis: Vozes. 1991.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertand/Brasil, 2002.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez e autores Associados & Brasília, DF: UNESCO, 2000.
MORIN, Edgar. O paradigma perdido ― a natureza humana. Portugal Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 2000.
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 2002.
WRANGHAN, Richard. Pegando fogo: por que cozinhar nos tornou humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.


FENOMENOLÓGICA DO CONHECIMENTO

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971.
REZENDE, Antônio Muniz. Concepções fenomenológicas da Educação. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1990.

IMPLICAÇÕES PÓS-MODERNISTAS COM A EDUCAÇÃO

LAMPERT, Ernani (org.). A universidade na virada do século XXI: Ciência, pesquisa e cidadania. Porto Alegre: Sulina, 2000.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada ― vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
DUBORGEL, Bruno. Imaginário e Pedagogia. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade da decepção. São Paulo: Manole, 2007.
LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. São Paulo: Manole, 2005.
MOSCOVICI, S. A representação social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes. 2003.
MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação corpo e socialidade. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos – o declínio do individualismo na sociedade de massa. São Paulo: Forense Universitária, 2008.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. São Paulo: Estudos Avançados, v.2; n.2, 1988.

sexta-feira, 1 de março de 2013

DESEJO SER "MAU ÍNDIO"


Nós e os índios: recomendo principalmente aos meus irmãos e irmãs Bororo e parentes de outros povos que visitam este blog. 
Que leiam com atenção, pensamento e o sentimento voltado para a realidade de seu povo e comunidade.
Tentem compreender o que explica este texto e ajude a disseminar o que os pesquisadores e teóricos pensam acerca de nós e principalmente tenham um olhar cuidadoso nas ficções fundacionais da nação brasileira e seu ideologismo com cosmovisão e epistemologia ocidentais.

 Nós e os índios

Brasileiro gosta de mistura, desde que ninguém ameace a nossa cosmovisão e epistemologia ocidentais.

1.

Em nenhum lugar do Brasil, a invisibilidade do índio talvez seja tão visível quanto na Avenida Paulista, em São Paulo. É ali, em frente ao Parque Trianon, dando de cara com o MASP, no meio de pessoas apressadas falando ao celular, buzinas de carros, barulho de motor e poluições de vários tipos, que fica localizada a estátua de Bartolomeu Bueno Dias, também conhecido como Diabo Velho (Anhanguera). Bartolomeu foi um bandeirante, conhecido matador de índio e saqueador de tribo. No entanto, se formos ao Houaiss e procurarmos o verbete “bandeirante”, nenhum desses significados estará lá – o que diz muito também de nosso silêncio e indiferença em relações aos índios. No dicionário, você descobrirá que “bandeirante” é sinônimo de “paulista”, além de significar “aquele que abre caminho; desbravador; precursor; pioneiro”. Os bandeirantes seriam uma espécie de “vanguarda” da colonização, o que casa bem com um lugar como São Paulo, cujos políticos ainda hoje se utilizam da infeliz metáfora da “locomotiva do Brasil” para definir o estado.
Vanguarda, desbravamento, locomotiva, non ducor duco (que está na bandeira da cidade de São Paulo e quer dizer “não sou conduzido, conduzo”) são signos que fazem parte de um mesmo campo discursivo: o do progresso arrojado. Se houve algum progresso no Brasil, esse foi o progresso da colonização, ou melhor, a progressão bandeirante lenta e contínua para o oeste, escravizando indígenas, apropriando-se dos recursos de sua terra, aniquilando sua cultura. Avançamos na terra e na cultura dos outros. Progresso, progressão, invasão. E continuamos fazendo isso: seja com os Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul; seja com os desalojados das construções da Copa do Mundo; seja com os índios da bacia Xingu que serão desterrados pela Usina de Belo Monte. As elites brasileiras continuam progredindo em cima de terras, pessoas e direitos.
Não nos enganemos. Nosso imaginário desenvolvimentista – essa necessidade e desejo de crescer e expandir em moto-contínuo – está calcado no espírito do bandeirantismo, que nada mais é a lógica do colonizador. Bartolomeu Bueno da Silva nos representa mais do que gostaríamos.

2.

Como aprendemos na escola secundária, os romances Iracema (1865) e O Guarani (1857) de José de Alencar são considerados ficções fundacionais da nação. Embora sejam textos fortemente ideológicos – uma vez que deliberadamente escamoteiam a violência genocida do encontro colonial para narrar tal encontro numa moldura conciliatória –, carregam em si um núcleo de verdade: o desejo do letrado brasileiro – o narrador dessa história dos vencedores – de moer qualquer traço de alteridade cultural no moinho da ocidentalização. Nas palavras certeiras de Alfredo Bosi, o indianismo alencarino não passava de um mito sacrificial dos índios, no qual estes só atingiriam a nobreza quando fossem capazes de se auto-imolar. Os índios Peri, de O Guarani, e Iracema, personagem central do romance homônimo, se tornam heróis na medida em que se anulam e se sacrificam em gesto de servidão aos colonizadores portugueses. Peri se converte ao cristianismo para se unir à portuguesa Cecília e, com ela, formar o povo brasileiro. Iracema trai o seu povo tabajara para ficar com o lusitano Martim. Do fruto desse encontro, nasce Moacir, o primeiro brasileiro. Depois de cumprida sua missão no processo civilizatório brasileiro, Iracema morre. O indianismo alencarino foi assim um elogio à submissão do indígena à sabedoria europeia. Bom índio é aquele que se ocidentaliza. Que muda de lado. Que nega seu povo. Que está disposto a aniquilar a sua cultura, e até a vida, para contribuir com a nação.
Um pouco mais de cem anos depois, João Guimarães Rosa, no conto “Meu tio o iauaretê”, se propõe a questionar essa relação colonial, evocando uma outra lógica. Se os mestiços “alencarinos” são cristianizados e ocidentalizados, o que aconteceria se o mestiço escolhesse o outro lado da mistura que o compõe?
“Meu tio o iauaretê” conta a história de Tonho Tigreiro, caçador de onças, contratado por um fazendeiro, Nhô Nhuão Guede, para desonçar um certo território. Em outras palavras, o caçador é chamado para livrar o terreno das onças, permitindo que aquele pedaço de terra possa ganhar uma utilidade econômica. Desonçar a terra faz parte de uma operação bandeirante (sem trocadilhos). No entanto, de tanto viver isolado dos homens, o caçador começa a ter mais simpatia pelas onças do que por gente, e passa a defendê-las. O caçador escolhe claramente um lado: o das onças, da natureza, dos animais, enfim, o lado da terra onde vive. É o mesmo “lado” que os índios defendem no seu esforço de resistência aos (neo)bandeirantes que invadem sua terra. Daí a conclusão da leitura que antropólogo Eduardo Viveiros de Castro faz do conto rosiano:
Não é um texto sobre o devir-animal, é um texto sobre o devir-índio. Ele descreve como é que um mestiço revira índio, e como é que todo mestiço, quando vira índio – isto é, quando se desmestiça– o branco mata. Essa é que é a moral da história. Muito cuidado quando você inverter a marcha inexorável do progresso que vai do índio ao branco passando pelo mestiço. Quando você procura voltar de mestiço para índio como faz o onceiro do conto, você termina morto por uma bala disparada por um revólver de branco.
Tudo que foge da lógica da anexação, da incorporação, da integração, é eliminado. Brasileiro gosta de mistura, desde que ninguém ameace a nossa cosmovisão e epistemologia ocidentais.

3.

Em Tristes trópicos, Claude Levi-Strauss lembra de uma conversa que teve com o embaixador do Brasil na França, Luís de Sousa Dantas, ocorrida em 1934, na qual o diplomata brasileiro havia comunicado a Levi-Strauss que não existia mais índios no Brasil. Haviam sido todos eles dizimados pelos portugueses, lamentava Sousa Dantas. E assim concluía: o Brasil seria interessante para um sociólogo, mas não para um antropólogo, pois Levi-Strauss não encontraria em nosso país um índio sequer. Nós não sabemos se Sousa Dantas nega a existência dos índios por ignorância, ou simplesmente para ocultar um aspecto do país que o diplomata brasileiro certamente considerava “arcaico”, uma vez que a existência de “primitivos” não bendizia os padrões civilizatórios da nação diante de um estudioso europeu.
Mas quem de nós nunca agiu como Sousa Dantas? Qual foi o brasileiro que, no exterior, nunca se indignou com uma pergunta de um gringo mal-informado que sugeria que nós tivéssemos hábitos próximos ao dos índios? Eis o motivo de nossa indignação: como podem nos confundir com tupiniquins (palavra usada pejorativamente por nós brasileiros para nos definirmos como povo atrasado), se nós somos industrializados, urbanizados, temos carros, trânsito infernal, sofremos com poluição e tomamos Prozac para resolver nossos problemas emocionais? Em outras palavras, como podem nos acusar de “primitivos” se desfrutamos de todas estas maravilhas da civilização moderna?
Se por um lado, hoje, os brasileiros sabemos da existência empírica dos índios, por outro lado, negamos sua existência como nossos contemporâneos, e essa é a raíz da indignação diante de uma possível confusão entre nós, brasileiros, e um povo que, na cabeça de tantos, ainda não evoluiu. Ora, de todos os esforços pedagógicos para descolonizar o imaginário brasileiro, talvez esse seja o mais importante: de mostrar como nós precisamos urgentemente do diálogo com os índios. Devemos abandonar a ótica paternalista (do Estado brasileiro) que infantiliza o índio, enxergando-o como artefato do antiquário nacional, que para alguns deve ser incorporado à nação, enquanto para outros deve ser preservado tal como está. Esse é um falso dilema, pois reifica o índio. Devemos, sim, estabelecer com os índios uma relação de interlocução, com a qual temos muito que aprender.
Nossa civilização criou formas de vida que beiram a inviabilidade. Emporcalhamos nossas cidades; poluímos nosso mar, nossos rios, nosso ar; destruímos nossa natureza; criamos necessidades que nunca serão preenchidas a contento, gerando inúmeras frustrações, tamanha é a roda-viva do consumismo que determina nosso estilo de vida. Segundo Celso Furtado (que hoje, graças a Dilma Rousseff, dá nome a um petroleiro), no seu O mito do desenvolvimento econômico, “[o] custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana.” Quanto mais universalizamos nosso consumismo predador, mais rápido destruímos nosso ambiente e planeta. O que teríamos a aprender, afinal, com os índios?
O que dizer de um povo que vive há milênios em co-adaptação com o ecossistema amazônico, tirando da floresta o sustento da vida, em vez de tirar a floresta de sua vida (uso aqui o jogo de palavras do próprio texto de Viveiros de Castro)? Os índios são radicalmente cosmopolitas. A palavra “cosmopolita” quer dizer “cidadão do mundo”. Cosmos, na filosofia grega significa “universo organizado de maneira regular e integrada”. Se permanecermos fiéis à etimologia da palavra, cosmopolita seria então o cidadão de um universo harmonioso (cosmo é o antônimo de caos). Por anos, filósofos antigos e modernos têm pensado o termo “cosmopolitismo” como uma técnica de convivência entre povos. O cosmopolitismo radical dos índios nada mais é que uma técnica de convivência e co-adaptação com o cosmo – o universo, o ambiente, o planeta. A destruição do planeta hoje parece mais plausível em decorrência da falta do cosmopolitismo radical dos índios do que do cosmopolitismo dos filósofos. O que teríamos a aprender com os índios? Algo muito simples e complexo: aprender a habitar o planeta.

4.

Pensar o índio no Brasil é particularmente difícil, pois as representações que temos do índio o colocam além da alteridade. O “outro” da cultura brasileira – narrada, claro, da posição do letrado urbano euro-brasileiro – é, com o perdão da redundância, outro. Ou melhor, são outros: o sertanejo, o retirante, o negro, o favelado.
Investigando sobre os motivos que levaram a esquerda brasileira a negligenciar o índio, Pádua Fernandes lembra que a esquerda revolucionária dos anos 70 – de onde saiu boa parte do Partido dos Trabalhadores – discutia a relação entre cidade e campo, mas era incapaz de pensar a floresta. Em parte, isso se deve à importação direta das categorias euromarxistas (e, claro, graças ao abismo das Tordesilhas, que separa o Brasil da América Hispânica; a esquerda brasileira nunca deu muita bola para o indo-socialismo do peruano José Carlos Mariátegui). No entanto, mais do que ser um problema de cegueira por parte de segmentos da esquerda, a invisibilidade do índio talvez se remeta à maneira como pensamos o “povo” brasileiro, dentro do paradigma nacional-popular.
De acordo com esse paradigma, que estruturou a imaginação brasileira durante o século 20, o povo é o sertanejo de Os sertões, “rocha da nacionalidade”; o negro de Casa-grande & senzala e da vasta bibliografia sociológica e historiográfica que veio a seguir; os retirantes desesperados Manuel e Rosa de Deus e o diabo na terra do sol; o ingênuo Fabiano de Vidas Secas; a comovente Macabéa de A hora da estrela, além de tantos outros personagens e temas das nossas produções culturais. A consciência social do letrado urbano brasileiro foi construída a partir da ideia de que o povo brasileiro – na sua imensa maioria pobre, desassistido, negromestiço – necessita ser integrado à modernidade, à cidadania plena, a um sistema educacional justo e ao conforto material.
A eleição do presidente Lula em 2002 talvez tenha sido o evento mais importante de nossa democracia exatamente porque mexeu profundamente com nossa imaginação nacional-popular: pela primeira vez, o povo assumia o poder. Fabiano, Macabéa, Manuel e Rosa estavam todos representados na figura carismática de Lula. E não se pode negar que o governo Lula muito melhorou a vida do “povo brasileiro”, garantindo acesso a bens e direitos antes impensáveis. O progresso finalmente havia chegado ao andar de baixo, que agora podia comprar televisão, andar de avião e até passear de cruzeiro. Nunca antes na história desse país, o povo esteve mais integrado aos padrões de consumo do mundo civilizado.
O mesmo governo que tanto fez para tanta gente (e atuou como uma força descolonizadora no tocante às ações afirmativas e na introdução de história africana no ensino médio), é aquele que age como um poder colonizador na Amazônia, e aliado objetivo dos fazendeiros do agronegócio no Mato Grosso do Sul. Desse modo, o Estado e seus sócios ocupam a terra com prerrogativa desenvolvimentista, como se fosse um território vazio, pronto para o usufruto dos agentes econômicos. Nada muito diferente dos bandeirantes. O que antes vinha coberto com retórica de missão civilizatória cristã, agora é celebrado como a chegada do progresso. Nos dois tipos de bandeirantismo, a destruição vem justificada por um discurso de salvação. O índio que habita nessas terras é tratado simplesmente como obstáculo que deve ser removido em nome do progresso da nação (progresso no caso representa: carne de gado no Mato Grosso e energia elétrica para indústrias do alumínio na Amazônia).
O índio apresenta um desafio para o pensamento da esquerda no Brasil. Um desafio que ainda não foi pensado como desafio, pois a esquerda ainda enxerga a “questão indígena” como um problema que deve ser resolvido. O desafio, ao contrário do problema, não exige uma resolução, mas uma autorreflexão. Os índios nos fazem repensar nosso modo de vida, e até mesmo o conceito de nação. Como salientei, o índio não se insere na matriz nacional-popular que mobiliza tanto a nossa imaginação. E não se insere nela pois, ao contrário do retirante, do favelado, do pobre, do negro, o índio não está buscando integração à modernidade (a grande promessa do lulismo às massas). Os índios parecem querer reconhecimento do seu modo de vida (como se pode ver nessa entrevista de Davi Kopenawa - http://acritica.uol.com.br/amazonia/Dilma-indio-inimiga-lider-yanomami-Amazonia-Amazonas-Manaus-Aldeia_Watoriki_0_802719809.html#.UJRgnj8FATs.twitter). E, para viver do jeito que sabem viver, é necessário garantir as condições mínimas de possibilidade para sua vida: terra e rios que não sejam dizimados pela usina de Belo Monte, nem pelo garimpo; segurança e tranquilidade para não serem acossados pelos capangas do agronegócio, como no Mato Grosso do Sul. Essas são as grandes lutas hoje.
A luta pelos direitos indígenas vai muito além de uma quitação da nossa dívida histórica. Mais do que um acerto de contas com nosso passado, a garantia dos direitos constitucionais dos índios é imprescindível para o nosso futuro. Precisamos cada dia mais da sabedoria desses cosmopolitas radicais, se quisermos repensar e refundar os pressupostos de nossa existência planetária.

Fonte: http://www.amalgama.blog.br/11/2012/nos-e-os-indios/


Comentários:
Peri se converte ao cristianismo para se unir à portuguesa Cecília e, com ela, formar o povo brasileiro. 
Iracema trai o seu povo tabajara para ficar com o lusitano Martim. Do fruto desse encontro, nasce Moacir, o primeiro brasileiro. Depois de cumprida sua missão no processo civilizatório brasileiro, Iracema morre.
Bom índio é aquele que se ocidentaliza.

Somos "Bom índio?"
Se não somos "Mau índio", ocidentalizamo-nos?
Mudamos de lado?
Negamos os nossos povos indígenas?
Como vemos o progresso que vai do indígena para o "branco" passando pelo mestiço? Ainda existem "Peris" e "Iracemas" em nossas comunidades e povos?...
Sacrificaremos e aniquilaremos as nossas culturas e a vida cultural milenar para contribuir com a nação?
Ainda estamos nos anulando e nos sacrificando em gesto de servidão aos neocolonizadores? 
Submetemo-nos ainda, em um estado laico, à conversão de outras religiões não índias alienígenas em detrimento e desaparecimento das nossas religiões legítimas, genuínas e milenares?
Até quando queremos viver na condição de povos indígenas?

Façamos uma introspecção. 
Depois com muito cuidado, estender aos parentes consanguíneos e posteriormente aos parentes mais próximos.

Independente das respostas objetivas e subjetivas individuais e coletivas dos parentes indígenas, eis a minha:
Desejo ser "Mau índio"!!!
Sou um "Mau índio".

Mineração em terra indígena pode ser aprovada em 2013.


A área verde cercada por desmatamento é a Terra Indígena 7 de Setembro, onde vivem os Paiter Suruí. Fonte: Google Earth
Próximo à cidade de Cacoal, na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso, há um pedaço verde perdido no mapa, delimitado por quadrados desflorestados de cor cinza e marrom. A mancha isolada de floresta preservada é o Território Indígena 7 de setembro, morada dos Paiter Suruí. Debaixo dela, o Departamento Nacional de Produção Mineral mapeou a existência de ouro, estanho, diamante, níquel, granito, manganês e terras raras. O Departamento, conhecido pela sigla DNPM, pertence ao Ministério de Minas e Energia e é o responsável por conceder permissão de mineração no Brasil.

Por enquanto, os Paiter Suruí não têm nada a temer, pois são escassas as chances de se obter permissão para minerar legalmente em terras indígenas. Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), explica que “a Constituição permite ao Congresso conceder permissão para pesquisa e exploração da lavra mineral em territórios indígenas”. Ele diz que, no entanto, atualmente não existe atividade de mineração legal nesse tipo de terra. E, segundo o DNPM, o que há são pedidos de autorização de pesquisa.

Mas isso pode mudar, e em breve, se o Projeto de Lei 1610, de 1996, for aprovado. De autoria do senador Romero Jucá (PMDB-Roraima), o PL 1610 está em discussão há quase duas décadas na Câmara dos Deputados e prevê regulamentar a mineração em terras indígenas. Deve ser votado no segundo semestre de 2013.

Além do PL da Mineração, como vem sendo chamado o 1610, tramita outro Projeto de Lei, o da criação do Estatuto dos Povos Indígenas (2057/91). “O PL do Estatuto traz um capítulo de 14 páginas sobre mineração, discutido por três anos entre as lideranças que compõem a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI)”, diz a assessoria de imprensa da Funai. Os povos indígenas e a Funai querem que a decisão sobre a extração dos recursos em terras indígenas seja dos próprios nativos.

Entretanto, os indígenas podem ter pouca voz no resultado final. O deputado Padre Ton (PT-Rondônia) é o presidente da Comissão Especial criada para analisar o 1610. Segundo ele, “a maioria dos deputados da Comissão está comprometida com o setor da mineração. Dos mais de 20 deputados na Comissão Especial, apenas 4 ou 5 efetivamente trabalham para que a máxima participação dos índios seja contemplada”. 

"Acredito que o Povo Paiter Suruí, assim como todos os povos indígenas do Brasil tem que se preocupar sim. Foi quase nessa situação que começou a Projeto de Emenda Constitucional - PEC 215 começou e foi se tornando cada vez mais forte e consistente na Câmara dos Deputados em Brasília - DF. Em justamente no mês de abril, mês em que se comemora a Semana dos Povos Indígenas é que essa mesma PEC foi votada na Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania - CCJC. Nós, os indígenas, sofremos uma derrota amarga nessa instância."


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