terça-feira, 6 de novembro de 2012

"A LINHA DE PÓ" - lançamento de livro

No dia 01  de novembro de 2012, 5ª feira, no município de General Carneiro - MT, foi feito o lançamento do Livro entitulado "A Linha de Pó" do escritor Máximo Canevacci, co-autor Prof. Kléber Meritororeu, Bororo da Aldeia Meruri.
A abertura foi feita pela Assessora Pedagógica Senhora Carlia Leite, popularmente conhecida com a alcunha de "Nina" que foi dura quanto ao número de pessoas prestigiando o evento do lançamento. E mostrou plena defesa em prol do Povo Bororo.
O lançamento contou com a ajuda da professora antropóloga Flávia Kremer que atua na EEI Sagrado Coração de Jesus - Meruri. Kléber Meritororeu explanou como está organizado o livro e o seu conteúdo. Flávia explanou a idéia e o sentimento do escritor Máximo Canevacci.
O senhor Filadelfo de Oliveira Neto, presidente do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena - CEEEI fez a sua fala sobre a política do segmento indígena e o papel do Conselho.
Antes do presidente do Conselho, Félix Adugoenau, Coordenador da Coordenadoria de Educação Escolar Indígena - CEI/SEDUC-MT, fez a sua exposição.
Antes estava programado para o mesmo fazer a fala em torno da política de atendimento com foco no específico e diferenciado das escolas indígenas, sem exposição de datashow. Mas teve que mudar completamente a sua fala, ao notar que era momento ímpar para falar de seu próprio povo em um município em que há muita discriminação e preconceito acerca do Povo Bororo. A sua fala foi intensamente filosófica, baseada nos preceitos e doutrina do seu povo repassado a ele pelos mestres e sábios do seu povo. Fez memória ao seu último mestre que faleceu na Aldeia Córrego Grande, conhecido na língua Bororo, "Korogedo Paru", no iníco de 2012 e que o ajudou a compreender as complexidades do "Bakaru" (Leis de gente com Bororo) do Povo Bororo e a enxergar de forma filosófica a vivência do "ser" Bororo pela eterna procura de paz e a incessante busca pelo equilíbrio no mundo físico e metafísico e na reciprocidade das metades matrilineaares exogâmicas, clânicas, subclânicas e entre o homem e a mulher Bororo. Falou da busca valorizacional da mulher Bororo, das mães de almas, pais de almas, "boe eimejerage" (chefes Bororo), dentro de uma sociedade (Bororo) com organização matriarcal e solicitou do CEFAPRO, aproveitando o ensejo a presença da senhora Rita Natália - CEFAPRO de Barra do Garças, condição e apoio nas discussões que acontecerá na Aldeia Meruri nos dias 13 e 14 de novembro de 2012 em Meruri. Frisou a valorização dos vocativos na língua Bororo (no evento, Kléber Meritororeu o chamou com o vocativo "Imana" - meu irmão maior), como condição de reiniciar o sentimento primeiramente na condição de pertencimento individual, particular clânico e metade exogâmico em preparação ao trabalho de pertencimento étnico nos eventos culturais Bororo organizado para abrir oportunidade de despertar do reconhecimento do "eu " Bororo nas crianças.
Félix Adugoenau, em um Estado laico, expôs preocupações com base no "Bakaru":
- Que não se faça mais missas, terços, novena a santos da religião católica em Meruri com convites para Bororo participar;
- Que não se dê mais catequese;
- Que não haja preparação para a crisma;
- Que não haja preparação de acólitos (coroinhas) para missas domenicais de crianças em Meruri;
- Que seja feita a desmistificação do canto "Roia Kurireu" Grande Canto dos rituais sagrados do Povo Bororo, como canto do demônio;
- Que se faça uma leitura filosófica do canto "Roia Kurireu";
- Que não se faça mais batizados conforme religião católica e outras religiões, somente basta o "Boe Eiedodu" - Nominação Bororo.
Para Félix Adugoenau todas as preocupações explanadas se fortalecem e ganham espaço em detrimento da Cultura Bororo, do verdadeiro "ser" Bororo. É por isso que nunca se avança de forma razoável na reconquista da língua. Não adianta dar aulas de língua Bororo, de nada adianta estudar a gramática da língua Bororo em Meruri se a figura de "Bakororo" e "Itubore" estão abandonados e esquecidos num passado quase que distante e a religiosidade e a espiritualidade não ser considerada. Para a reconquista da língua Bororo, a religiosidade e a espiritualidade Bororo tem que  ser trabalhada. Não basta apenas aulas em sala de aual e no quadrado predial escolar. Disse Félix Adugoenau, somente com tomadas de decisões sérias de pequenas medidas e com compromisso firme é que poderá se dar um passo considerável e firme rumo ao pertencimento étnico e viver verdadeiramente e abrir diálogo para o que se fazer nesse sentido, na condição de povo e não viver como um povo. Para ele um povo que não vive a sua religiosidade e espiritualidade, vive na condição de povo, politicamente e corre-se o risco das manifestações culturais se tornarem folclore, fazendo-as mais na condição de apresentação cultural sem "um" acreditar e "um" viver religioso. E conforme o "Bakaru" para ser povo Bororo com equilíbrio do cosmos Bororo, é mister que haja manifestação e vivência da sua religiosidade e espiritualidade em sua plenitude, onde há a presença dos vivos e dos mortos Bororo, que o faz diferente e único no mundo, para dar então verdadeiro sentido na escola específica e diferenciada e assim mais forças e justificativas plausíveis quando se requerer ao pleitear atendimento diferenciado, diante da instituição educacional seja ela estadual ou municipal e avançarmos ainda na elaboração de políticas públicas que se aproxime da diferenciação e da especificidade e que venha contribuir para o reconhecimento dos povos indígenas não como retórica, mas na condição de práticas genuínas e milenares de cada povo.
A assessora pedagógica, Carlia Leite, finalizou o evento, emotiva com a visão de quem agora enxerga além do banco de areia que cobria a sua visão, o verdadeiro mundo Bororo, tão distante e tão perto. A sua fala emocionada com voz embargada sobre o entendimento do livro prova que o que Félix Adugoenau disse em relação a volta à vivência da religiosidade e espiritualidade não está tão distante e que jamais foi ouvida em evento que beneficiou o Povo Bororo, principalmente da Aldeia Meruri.

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