Na postagem anterior, José Riva falava de uma suposta denúncia feita por ele sobre uma situação envolvendo o Povo Chiquitano e as terras onde se encontram.
Agora, uma notícia preocupante em relação ao mesmo Povo Chiquitano.
Confiram um texto, na íntegra, enviado por uma pessoa que fez levantamentos bibliográficos, antropológicos e outros, deste povo.
Meus agradecimentos a Adriana (cursista do mestrado UNEMAT) por propiciar-nos a conhecer este texto, enviando-me.
______________________________________________________
Invasão do fazendeiro na
aldeia Vila Nova Barbecho!
A aldeia Vila Nova Barbecho começou este ano de
2013 solicitando ao “Presidente da Funai, a demarcação da nossa terra, pois
nós dependemos da terra para tirar o nosso sustento e a de nossas famílias.
Pois vivemos em uma area de 25 equitarea […] somos 18 famílias no total de 103
pessoas” (manuscrito). No dia
15/02/2013 perguntam à FUNAI: “Cadê o GT que sempre
cobramos? E o processo dessa demarcação onde está parado? Queremos toda nossa
TERRA legalmente reconhecida e demarcada.” Na mesma data, vão ao Ministério Público protocolar: “solicitamos que demonstrem interesse e apressem o processo de demarcação
da nossa Terra”. No dia 16/04/2013
a aldeia Vila Nova Barbecho escreve novamente para a FUNAI e o Ministério Público
e assinam pedindo a criação de um GT para identificar a Terra Indígena Chiquitano
Vila Nova Barbecho. Na mesma data solicitam “autorização
de entrada de carro ou charrete para buscar os recursos nessas areas”, ou seja, “lenhas,
madeiras para construirmos casa, palha, taquara, caça e pesca”, isso na fazenda São Pedro conforme acordo de
6/12/2010. A preocupação da Aldeia Vila Nova Barbecho é sintomática porque está
inserida na Gleba Santa Rita, área que passa por um processo de
geo-referenciamento encaminhado pelo Terra
Legal, programa do INCRA que tem por objetivo regularizar as áreas ocupadas
em terras da União na fronteira, o que vem causando apreensão entre os
Chiquitanos em toda a região porque desta forma estão sendo legalizadas as
terras para os fazendeiros excluindo de forma mais definitiva os Chiquitanos.
No dia 24/04/2013 a aldeia manda outra carta para a FUNAI denunciando que o
fazendeiro está desmatando nos 325 hectares que consideram de uso comum da
comunidade. Reivindicam também direito "às terras, territórios e recursos" conforme Declaração da OIT e artigos 231 e 232
da Constituição Federal do Brasil. O Ministério Público Federal (MPF) propôs a
Ação Civil Pública[1] em face do fazendeiro Edir Luciano Martins
Manzano que promove constantes esbulhos contra a aldeia Vila Nova Barbecho
situada na Fazenda São Pedro, em área rural do município de Porto Esperidião na
região da fronteira sudoeste deste mesmo Estado. O primeiro impasse desta
comunidade está no direito sobre suas terras tradicionais como prevê a CF/88
que está na maior parte invadida pelos fazendeiros. O segundo impasse é que o
fazendeiro continua insistentemente vindo até a aldeia amedrontar seus
moradores para que abandonem o local e deixem o restante de suas terras para
ele, como fez até o momento para conseguir a posse da fazenda na fronteira.
O Memorando 344/DPT (ref. Memo
57/SEGAT/CR CGB) em resposta à solicitação de “estudos de identificação e delimitação da area denominada Vila Nova
Barbecho” informa: “Os critérios técnicos priorizados para constituição de novos GTs são: i)
antiguidade da reivindicação, ii) situação de vulnerabilidade social do grupo
indígena, iii) inexistência de terra demarcada para o mesmo povo na mesma
região, vi) impacto de grandes empreendimentos, v) interesse manifesto do INCRA
na area” (04/04/2013). Esses
critérios correspondem à situação da Terra Indígena Chiquitano Vila Nova
Barbecho.
Recentemente outra carta de
denúncia busca solução: “que
tome providências em relação ao fazendeiro Edir Luciano, pois ele está entrando
dentro da nossa aldeia sem se comunicar com o cacique […] queremos que não
venha acontecer mais essa invasão. E que a FUNAI [Ministério Público] tome as
providências também em relação ao desmatamento que o fazendeiro está fazendo na
area e sobre os marcos que ele retirou, o desmatamento foi feito com correntão
e destruiu todas as árvores novas” (1/06/2013).
Finalmente segue um email enviado hoje para Saty que mostra o drama e o perigo
que corre a aldeia:
“agora um assunto muito
importante e que precisamos de sua ajuda: O EDIR JÁ VEIO AQUI DENTRO DA ALDEIA
DUAS VEZES E HOJE PELA TERCEIRA VEZ ELE VEIO NA CASA DE ROZINETE FALAR PARA ELA
IR EMBORA DAQUI DA VILA NOVA, DENTRO DE QUINZE DIAS E INVOCOU TAMBÉM DO POÇO
QUE O PESSOAL DA SAÚDE TA FAZENDO, FALOU QUE ESSE POSSO NÃO PODE CONTINUAR INDO
PARA FRENTE QUE SE CONTINUAR CONSTRUINDO MAIS ALGUMA COISA ELE VAI MANDAR
DERRUBAR. ENTÃO VC FAZ FAVOR DE LIGAR PRA SOILO E AVISAR ELE PARA ELE IR LÁ NA
FUNAI COM MEU PADRINHO FERNANDES E PARA ELE FALAR DISSO TBM. HOJE NÓS VAMOS
FAZER UMA REUNIÃO AQUI À NOITE E VAMOS CONVERSAR COM O PESSOAL SOBRE ISSO E VOU
ENCORAJÁ-LOS PARA NÃO DEIXAR-MOS MAIS ELE ENTRAR AQUI OK... VOU FALAR DA
IMPORTÂNCIA DE NOSSA CORAGEM NA LUTA, DA FABRICAÇÃO DE NOSSAS ARMAS E ORIENTAR
ELES SOBRE ISSO E VAMOS DECIDIR QUE ATITUDE NÓS VAMOS TOMAR DIANTE DISSO OK...
POR QUE ELE FALOU QUE ENTRA AQUI SEM PRECISAR DE AUTORIZAÇÃO DE NINGUÉM PARA
ENTRAR AQUI. ENTÃO VAMOS VER NÉH QUEM MANDA AQUI E QUEM TEM MAIS CORAGEM... VC
FAZ FAVOR DE LIGAR PARA SOILO PARA ELE IR JUNTO COM MEU PADRINHO... OLHA SATY NO
MAIS TA TUDO BEM POR ENQUANTO... ABRAÇOS”.
Isso aconteceu no dia 4/06 pois o fazendeiro teve a ousadia de ir até a
casa de Antônia Rosinete Ferreira Rocha, nascida no dia 27-06-1982, filha de
Francisco Jorge Ferreira e Catarina Rocha Chue[1] que morou na antiga aldeia São Pedro e foi expulsa para a Bolívia quando
o fazendeiro tomou suas terras. Lá casou, mas foi abandonada pelo marido que a
deixou com cinco filhos (Francisco, Anderson, Marcelo, Estefanhy, e Narciso) e se foi com outra... Rosinete
foi batizada no Buriti[2] pelo
padre de Quatro Marcos. Inicialmente foi buscar Socorro na casa da Dona Elena
Chué que a acolheu na Vila Nova Barbecho, sua parenta direta ali na comunidade
conforme os costumes tradicionais das famílias extensas chiquitanas que não são
de modo algum somente nucleares. Em seguida, foram morar na casa de sua prima
Cleide, agente de saúde da comunidade, porque Dona Elena estava com a casa
muito cheia de gente e sofrera uma cirurgia para a retirada de pedras na vesícula
e precisava de repouso. Foi nesta casa que o fazendeiro e o gerente Moacir da
fazenda foram para expulsar Rosinete no dia de ontem, por volta das 11 horas,
justamente no horário de almoço, perturbando o bem-estar dela com os cinco
filhos menores.
Os moradores desta aldeia já sofreram muita opressão no passado e vem
sofrendo pressões e discriminação da parte do fazendeiro mencionado acima. Para
mascarar as sujeiras que vem fazendo contra os índios, fala para os moradores da
região que se articulam contra os índios Chiquitanos. O mesmo faz de tudo para
prejudicar os índios, isso com calúnias e, por vezes, parte para as agressões
mais pesadas. Quando invade a aldeia, grita, fala palavrões e desrespeita todo
mundo que vem falar com ele. Vamos imaginar como fica a cabeça das crianças
desta aldeia psicologicamente. Queremos mais respeito como índios Chiquitanos e
como cidadãos pertencentes a este país que a princípio era todo (nosso) dos
índios. Por isso pedimos com urgências às autoridades competentes que tomem
providências. Porque esse fazendeiro está muito abusado.
Cacique Fernandes Muquissai Soares, Soilo Urupe Chue e Milton Tossue
Muquissai.
[1] Ação Civil Pública distribuída na Justiça Federal na subseção judiciária em Cáceres Mato Grosso , 16 de agosto de 2006. Processo. Objeto: Restituição de Área - FUNAI - Reservas Indígenas - Domínio Público Administrativo. Arquivado em 6/12/2010 (Termo de Audiência Processo fls 978-980).
[2] Catarina é filha de Natividade Chue, irmã da mãe da esposa do cacique da
Vila Nova Barbecho, Dona Elizabete Tossué Soares.
[3] Esta comunidade ficava ao lado da
estrada velha e foi desfeita pelos fazendeiros que tomaram o lugar, mas os
antepassados de Rosinete estão ali sepultados.
Bom dia a tod@s, mais uma vez fui surpeendida pelas ações arbitrarias e violentas praticadas por aqueles que detém o capital agrário. Minha relação com essa comunidade indígena remonta a 2010, onde durante minha permanência na Aldeia Vila Nova Barbecho, pude vivenciar momentos de tensão onde a indianidade desse povo é questionada a todos os momentos. Confinados em uma area de 25ha, que são insuficentes para as familias ali estabelecida, porém demonstram coragem, força e determinação ao resisterem bravamente as estratégias de retirar desse povo, sua língua, suas terras, sua identidade etnica e por fim sua nacionalidade.
ResponderExcluir